Notícias de extermínio da papulação negra: como lidar?

Escrito por Andressa Santiago - maio 21, 2020

"Primeiro, sequestra eles, rouba eles, mente sobre eles
Nega o Deus deles, ofende, separa eles
Se algum sonho ousa correr, cê para ele
E manda eles debater com a bala de vara eles, mano
Infelizmente onde se sente o Sol mais quente
O lacre ainda tá presente só no caixão dos adolescente
Quis ser estrela e virou medalha num boçal
Que coincidentemente tem a cor que matou seu ancestral"

Emicida - Ismália (part. Larissa Luz & Fernanda Montenegro)


Favela - Portal dos empreendedores
Durante a quarentena da COVID-19, houveram muitas famílias negras que tiveram perdas inconsoláveis de entes e amigos — negros — queridos. Algumas dessas foram destaques nas mídias e nos grandes veículos de comunicação. Apesar de termos consciência que casos não são noticiados, foram suficientes para que todo o empenho em manter a mente sã fosse logo transpassada por outro infortúnio igualmente avassalador, e depois por outro, e outro.

É uma sensação de impotência e um sentimento contestador que suga aos poucos e ferozmente toda energia que tenta suplantar a dor para galgar mais um dia. Foi frustrante para todos que enxergam nessas vidas um reflexo fenotípico de si. A sensação de estar vivendo um massacre direcionado apenas aos corpos negros — em sua grande maioria meninos e homens — é aterrorizante e paralisador. Vidas negras são estereotipadas, e a caixa pandora destinada e endereçadas elas em demasia.

Diariamente notícias de extermínio da população negra e periférica me afrontam. O nocaute — assim como as balas perdidas que se encontram perfuradas em um corpo negro —, me advém, partindo dessas grotescas realidades, e ferem deixando marcas e gotas de lágrimas — e sangue — pelo chão. Penso, numa tentativa frustrada, e me torno então apenas mais uma a se questionar: até quando? Incógnita que ninguém foi capaz de encontrar uma solução em 1888 e tão incapaz quanto no século XXI, com trabalhos análogos à escravidão.

Estudo Comunicação e me vi obrigada a me distanciar temporariamente das notícias para não adoecer. Vale pensar no quanto as informações são postas tendo como um dos objetivos não apenas informar ou orientar, mas exibir um espetáculo de horror e oprimir a população negra. Como uma “políticas de morte para o controle das populações”. Evidenciando uma Necropolítica, termo concebido pelo filósofo Achille Mbembe.

A mestra em políticas públicas e direitos humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mariana Castro, também pesquisadora de necropolíticas da fronteira, explica para a Academia Brasileira de Letras: “Necropolítica é a capacidade de estabelecer parâmetros em que a submissão da vida pela morte está legitimada. Para Mbembe, a necropolítica não se dá só por uma instrumentalização da vida, mas também pela destruição dos corpos. Não é só deixar morrer, é fazer morrer também. Esse poder de morte, esse necropoder, é um elemento estrutural no capitalismo neoliberal de hoje, atuando por meio de práticas e tecnologias de gerenciamento de morte de certos grupos e populações”.

Jovens negros são alvos e têm suas vidas executadas a cada 23 minutos, sendo 63 JOVENS NEGROS MORTOS POR DIA. Para cada bala achada, mais um ser humano é diminuído a número confirmando a estatística. Junto a eles somam sua família, seus amigos, seus sonhos e futuro. A soma desses fatores, mais as famílias que se veem nessa situação e que não têm o controle sobre o amanhã de suas próprias vidas sem saber se em um dia qualquer jogando sinuca em casa, esperando a esposa com guarda-chuva; ou consertando a goteira no telhado irá chegar sua vez; quantos alvos alcançados ao todo? A conta não bate visto a quantidade de pessoas responsabilizadas pelos ocorridos.


Eu não sou de exatas,
Confesso que já colei
na prova de matemática,
Passávamos cola por borracha.

Eu e os números não temos
uma relação de amor e afeto,
mas alguém me explica
Como muda a estatística de alvo certo?

Por Andressa Santiago | @andressabsantiago


Enquanto reviso esse texto, dois jovens negros morreram.
 Alguém me passa a borracha?

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Obrigada pela participação, responderei em breve.
Andressa Santiago