Hibisco Roxo | Chimamanda Ngozi Adichie

Escrito por Andressa Santiago - abril 28, 2021

Hibisco Roxo é narrado por sua protagonista Kambili, uma adolescente de família rica e influente, que vive sob os dogmas e os regimes estabelecidos por seu pai Eugene (papa), um católico extremista, empresário e dono do único jornal que expõe a verdade se opondo ao governo, e sobretudo, passando por um processo de aculturação.

Ainda sobre a família dela, temos sua mãe Beatrice (mama) e seu irmão mais velho, Jaja. Mama é silenciada, manipulada e agredida pelo marido, o que a faz passar por diversos abortos. Vivendo um casamento sob pressão e constantes imposições tem sua liberdade e autonomia como mulher e mãe aniquiladas. Por outro lado, Jaja, como figura masculina na família, se vê pressionado a tomar atitudes em prol de Beatrice e Kambili, pois, embora viva também sobre os regimes e dogmas do pai, tem uma voz relativamente mais ativa, em comparação às mulheres.











Vale ressaltar que a narrativa se passa num período pós-colonial. Onde antes as famílias eram matriarcais, devido à colonização, revelaram-se patriarcais. Culturalmente, o sistema patriarcal enfatiza a fragilidade das mulheres e sua inferioridade. Salientando os deveres domésticos e restringindo seus direitos. Também cabe refletir sobre a pressão de ter que se impor, ter que ser corajoso e ser o protetor, estereótipo sofrido pelo homem, também trazido através da colonização, pois ao pensar o papel da figura feminina antes do ocorrido, fica evidente que a mulher era requisitada como conselheira em decisões importantes, detinha os controles no meio de produção, e outros.

Com relação a Beatrice, ela se vê obrigada a suportar a violência de seu companheiro por não ter para aonde ir, por não ter apoio, caso o largasse, e mesmo por questões sociais/status, num tempo em que muitas mães queriam entregar suas filhas sem que Eugene precisasse pagá-las o preço de uma noiva, o que culturalmente existia.

Eugene, embora se mostre presunçoso e ditador na religião, nas tarefas rotineiras e disciplinas escolares de seus filhos, que deviam ser os melhores em tudo independente do que custasse caso contrário seriam severamente punidos, era um homem generoso com a população da cidade acometida pela desigualdade social, vivendo em extrema pobreza, dando-lhes alimentos e arcando com despesas escolares de algumas crianças, o que contribuiu para que a família de Kambili fosse querida na cidade onde residiam, Enegu, localizada na Nigéria.

Contudo, esse lado generoso não transbordou para os parentes, como é o caso de seu pai, PaPaNnukwu, que vivia sob um barraco sem muitas regalias, contando apenas com o auxílio de Ifeoma, sua outra filha, e o carinho de seus outros netos, os quais não eram privados de sua presença.

Diante de todas as exigências e horários predefinidos para todas as tarefas do cotidiano por seu pai, Kambili e Jaja cresceram sem amigos e parentes próximos, o que fez com que se tornassem receosos no falar e no agir ao manter contato com sua tia Ifeoma, sua prima Amaka, e seus primos, Obiora e Chima, por nunca terem tido uma vida social, nem mesmo na escola particular que tinham o privilégio de estudar. Não bastasse ter que viver sob regimento rígido em seu lar, eram, sempre que iam à residência de Ifeoma e seu avô PaPaNnukwu, designados a seguirem as orientações de Eugene, como: se poderiam comer, e quanto tempo poderiam permanecer em suas casas, principalmente na de seu avô considerado “pagão”, por escolher seguir a religião de seus ancestrais e reafirmar a cultura na qual nascera e respeitava com total zelo.

É perceptível que o afastamento familiar, de certo modo, dá fim aos costumes e ensinamentos passados por geração pelos ancestrais e apagam suas vivências, seus feitos, suas culturas, e etc... ?
Hoje, quantos jovens negros conseguiriam construir uma árvore genealógica ou ao menos saberiam sua origem?

Após Eugene ceder à insistência de Ifeoma em pedir que seus sobrinhos passassem mais tempo na sua casa, em Nsukka, no sudeste da Nigéria, de início fez com que Kambili se sentisse deveras deslocada, pois os costumes eram diferentes, menos rígido do que em seu lar, por exemplo: conversar durante o jantar, cantar louvores em sua língua materna, igbo, o que por sua vez, devido a aculturação de seu pai, era motivo de repressão. Entretanto, proporcionou a Kambili e Jaja um outro viés sobre o mundo e a realidade que os cercavam, como: políticas e suas tiranias, falta de alimento e saneamento, greves e protestos universitários, onde Ifeoma era professora. Passando a sentirem-se mais à vontade em Nusukka do que em seu próprio lar, em Enegu.

Além de toda essa vivência experimentada, é em Nusukka que acontece sua primeira paixonite ao deparar-se com Padre Amadi, da paróquia em que sua tia e primos frequentavam. Amadi era jovem, másculo, praticante de esportes e de ações sociais.









Chimamanda deixa implícito que a riqueza não é tudo. Embora essa afirmação seja vista por muitos como utopia, nota-se que Kambili e Jaja sentem-se melhores na simplicidade da casa de Ifeoma, mesmo com todas as necessidades que passam, do que em sua mansão, sob o mesmo teto do pai.

[...] Porque Nsukka pode libertar algo no fundo de sua barriga que sobe até a garganta da gente e sai sob a forma de uma canção sobre a liberdade. E sob a forma de riso. [...]

 

De um lado, castigos severos efetuados por Eugene causaram sequelas na alma e no corpo, que, mesmo ferindo, acreditava piamente que fazia o bem para o futuro e a imagem de seus filhos. Todos viviam um conflito existencial, no momento após a punição, Eugene compadecia-se das dores de Kambili, Jaja e Beatrice.

Antes de julgar os atos de Eugene, é de extrema importância questionar e pensar o motivo pelo qual ele praticava punições severas. Ele não agia por prazer, pois chorava e sentia-se mal, ou por descuido. Pelo contrário, fazia por cuidado, por querer o bem, por querer ensinar, por querer o melhor, e acreditava que esse modo de educar era o ideal. Trazendo para o mundo contemporâneo, muitos pais deixam a desejar na educação de seus filhos, e por quê? Foram ensinados dessa forma? Não tiveram referência? Tirando as exceções, trata-se de um círculo vicioso!

Kambili e Jaja passaram a transitar por experiências totalmente divergentes e complexas. Mas com o tempo, diante de outras visões de mundo, foram aprendendo a olhar para si e a entender-se, desejando fazer suas próprias escolhas. Transformação que mais tardar transpassou Beatrice, como num ato de revolta depois de viver mais uma das agressões de Eugene, toma uma atitude. Atitude essa capaz de mudar o rumo de sua família.



Além dos assuntos abordados por Chimamanda, em Hibisco Roxo é citado os costumes, comidas típicas, eventos culturais como também algumas palavras e frases em Igbo, língua materna da família, que a escritora cuidadosamente traduziu sem perder o fluxo da narrativa.

Por fim, em sua carreira, umas das importantes falas de Chimamanda é sobre o perigo de uma história única, questão que é vivida pela família. Eles vivem sob a visão e os ditames do patriarca, onde viam o mundo apenas por seu viés, sem autonomia de pensamento nem de escolha. Tendo como referência de vida e futuro a apresentada por EugeneO perigo de uma história única está presente em várias relações sociais, até onde menos é cogitado.


[...] Seguimos carregando dentro de nós, mas não compartilhando, a mesma nova paz, a mesma esperança, concreta pela primeira vez [...] e assim as emoções que éramos obrigadas a segurar estão se dissolvendo, e novas emoções vão se formando [...]


PS: A transformação vivida por Kamili é análoga ao desenvolvimento da flor hibisco roxo.


  Título Original: Purple Hibiscus
  Autor: Chimamanda Ngozi Adichie
  Gênero: Ficção / Literatura Estrangeira / Romance
  Páginas: 328
  Edição: 1ª Edição
  Editora:  Companhia das Letras
  Publicação: 2011
  ISBN: 9788535918502
  Minha avaliação: ★★★★_


Sinopse: 
Protagonista e narradora de Hibisco Roxo, a adolescente Kambili mostra como a religiosidade extremamente "branca" e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família. O pavor de Eugene às tradições primitivas do povo nigeriano é tamanho que ele chega a rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a irmã, professora universitária esclarecida, temendo o inferno. Mas, apesar de sua clara violência e opressão, Eugene é benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do país. Durante uma temporada na casa de sua tia, Kambili acaba se apaixonando por um padre que é obrigado a deixar a Nigéria, por falta de segurança e de perspectiva de futuro. Enquanto narra as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance também apresenta um retrato contundente e original da Nigéria atual, mostrando os remanescentes invasivos da colonização tanto no próprio país, como, certamente, também no resto do continente.

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Andressa Santiago