O que acontece no metrô carioca

Escrito por Andressa Santiago - abril 01, 2022

Há muitos encontros e desencontros pela vida e, em todos, um leque de novas histórias podem se abrir diante de nós; basta olhar o mundo pela lente do outro.


Vagão do Metrô Rio | Flickr: Gabriel - 17 de abril de 2009


Era por volta de 12h. “Meus pés estão inchados.”, foi a primeira declaração que Sr. Bráulio, 73, fez ao aceitar que eu cedesse meu assento no vagão do metrô. Ele tem cabelos grisalhos e charmosos, e sua pele, feito camaleão, camufla sorrateira suas primaveras. Foi o que descobri, após ter sido alvo de um jogo de adivinhação sobre sua idade. Diante de diversas tentativas frustradas, revelou orgulhoso, como quem joga as cartas na mesa, a sua velhice nada convincente. Estava trajado com uma vestimenta jovial e escolhida com o mesmo cuidado e paciência que se tem ao montar um quebra cabeça.


A velhice chega, e o corpo, sedento por mais causos ainda não vividos, reclama cuidados. Inchaço é a ponta do iceberg chamado saúde e a sua profissão arriscada lhe reservou duas balas no abdômen, não capaz para tirar sua vida e sua vontade de viver. São recordações além da memória e que por isso não se apaga, se sente e revive.


Seu amor de pai é o que o faz se deslocar a um bairro distante do seu a fim de buscar os medicamentos de um dos seus dois filhos, este que será para ele sempre uma criança a agasalhar e zelar. Traz consigo um olhar de avô e sua voz branda exprime conselhos incomuns a quem exibe cabelos grisalhos. Este é um conselho que não se encontra de graça num vagão do metrô carioca: “não casa!”


Tal franqueza, de um jovem senhor que há tempos presenciou relacionamentos arranjados, causou um espanto imediato. O motivo? “Estudar!” Mesmo que um grande amor “peça para deixar os estudos”. O conhecimento é um companheiro fiel, no entanto, a dádiva de um grande amor infindo é incerta e, afinal, por que não ter ambos? Existe uma preocupação demasiada com o futuro, com a independência e com estar seguro. Sr. Bral também defendeu que “comprar um pedaço de terra” assim que possível, é ter o poder tranquilo de sempre haver uma morada a qual retornar e se encontrar, acaso estiver perdido.


Naquele momento sua voz soava como quem conta segredos enquanto sua risada principiava a desabar furtivamente pelas beiradas da boca. Com ele é a jocosidade que faz o momento e não o contrário. E mais uma vez ele fez seu jogo de adivinhações e, depois de exibir risadas num vagão frio, disse que “Bral” é parte de uma piada pronta há 40 anos, mas, ainda, a consequência são os risos. É um apelido emblemático que quase lhe custou amizades, é o caso clássico de arriscar perder o amigo, mas não a piada.


Se passaram alguns minutos até que enfim o Sr. Bral chegou ao seu destino e saiu pela porta do metrô. O pai zeloso experimenta passar por entre desfiladeiro envolto por um sentimento; é verão, e ele confessou estar indo encontrar o seu romance. Já dizia Los Hermanos: “E até quem me vê lendo o jornal / Na fila do pão, sabe que eu te encontrei / E ninguém dirá que é tarde demais” em Último Romance.


Eu o vi e o ouvi e soube que nunca é tarde demais. Estava levando sua casa numa sacola, mas saiu para se aventurar trilhando caminhos apaixonados, apesar dos pés levemente inchados, e “que seja eterno enquanto dure”, como diz Vinicius de Moraes. Gentileza também gera experiências únicas, e por incrível que pareça tem um valor imensurável, mas custa um total de zero. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

  • Compartilhar:

Você também pode gostar

0 comentários

Obrigada pela participação, responderei em breve.
Andressa Santiago